Fragmentos do livro Perto do Coração Selvagem


"(...)
Ouço-a, a queda. Alegre e plana espero por mim mesma, espero que lentamente me eleve e surja verdadeira diante de meus olhos. Em vez de me obter com a fuga, vejo-me desamparada, solitária, jogada num cubículo sem dimensões, onde a luz e a sombra são fantasmas quietos. No meu interior encontro o silêncio procurado. Mas dele fico tão perdida de qualquer lembrança de algum ser humano e de mim mesma, que transformo essa impressão em certeza de solidão física. Se desse um grito — imagino já sem lucidez — minha voz receberia o eco igual e indiferente das paredes da terra. Sem viver coisas eu não encontrarei a vida, pois? Mas, mesmo assim, na solitude branca e limitada onde caio, ainda estou presa entre montanhas fechadas. Presa, presa. Onde está a imaginação? Ando sobre trilhos invisíveis. Prisão, liberdade. São essas as palavras que me ocorrem. No entanto não são as verdadeiras, únicas e insubstituíveis, sinto-o. Liberdade é pouco. O que desejo ainda não tem nome.Sou, pois um brinquedo a quem dão corda e que terminada esta não encontrará vida própria, mais profunda. Procurar tranqüilamente admitir que talvez só a encontre se for buscá-la nas fontes pequenas. Ou senão morrerei de sede.
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Talvez não tenha sido feita para as águas puras e largas, mas para as pequenas e de fácil acesso. E talvez meu desejo de outra fonte, essa ânsia que me dá ao rosto um ar de quem caça para se alimentar, talvez essa ânsia seja uma idéia — e nada mais. Porém — os raros instantes que às vezes consigo de suficiência, de vida cega, de alegria tão intensa e tão serena como o canto de um órgão — esses instantes não provam que sou capaz de satisfazer minha busca e que esta é sede de todo o meu ser e não apenas uma idéia? Além do mais, a idéia é a verdade! Grito-me. São raros os instantes.
(...)"

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